Por Daniel Pires
Considerado um dos melhores
romances espíritas do século XX, “Há dois mil anos” nos traz a história do
senador romano Publio Lentulus Cornelius, que viveu no tempo de Jesus.
Narrado pelo espírito Emmanuel,
onde conta a história dele próprio enquanto nas trajes do senador romano, a
história, no seu decorrer, assume proporções as quais muitos custariam a
acreditar.
Contada a partir do ano 31 d.C.,
a história, inicialmente, começa com dois homens conversando a sós em uma noite
tempestuosa em um palácio na sede do império romano, Roma. Esses homens são o
próprio Publio e seu fiel e verdadeiro amigo, o também senador Flamínio
Severus.
Conversavam eles, de início,
sobre o estado da sáude da filha do senador Publio, Flávia, que havia
contraído lepra. Alguns instantes, a conversa assume outros rumos. Dentre os
quais podemos destacar a conversa que ele tem sobre um sonho que Publio havia
tido em uma de suas noites. Sonho esse que ele julgava confuso, onde via a si
mesmo, sendo que na personalidade do próprio bisavô, o cônsul Publius Lentulus Sura,
responsável por matar seus inimigos políticos, morto em 63 d.C. Perguntava a si
próprio e a Flamínio se esse sonho tinha sentido, pois, achava ele que os dias
tormentosos de sua vida eram resultado da má índole que havia sido no passado,
ou seja, em outra existência.
Como as tradições religiosas
romanas não viam a reencarnação como uma lei universal, Flaminio assegurou a
Publio que o passado jamais justificaria o presente de ninguém. Publio concordou de modo a não estar realmente certo de que aquilo não passava de uma
fantasia.
Passado algum tempo, Publio muda-se de Roma para Jerusalém em razão da saúde de sua filha, pois,
acreditava-se que mudando-se para a Judéia, onde o clima estava mais favorável
a cura de menina, ela iria curar-se.
Coincidentemente, Publio chegara
em Jerusalem na época em que o Messias por lá estava fazendo suas pregações.
Lívia, sua esposa, procura o
nazareno para ouvir suas palavras de fé e esperança onde se torna cristã e que,
anos mais tarde, morre num circo com outros cristãos devorados pelas feras.
Sua filha, Flávia, cura-se da
lepra graças a Jesus. Anos mais tarde, casa-se com Plínio, um dos filhos de
Flaminio, e começa a perder a visão, ficando cega.
Publio, por sua vez, opta por
não seguir Jesus, perdendo uma imensa oportunidade de se redimir ante suas
faltas cometidas no pretérito escabroso. Com isso, passa por duras provações.
Um dos fatos que mais chama atenção
no romance é o fato de o senador romano ter tido participação significativa no
processo de julgamento de Jesus.
Como muitos sabem, no ano 33, na
cidade de Jerusalém, milhares de judeus se movimentam para comemorar a data que
se festeja a libertação dos filhos de Israel da escravidão do Egito.
Em razão de esse fato ter
acontecido nos bastidores do palácio de Pôncio Pilatos nenhum dos evangelistas
(Marcos, Lucas, João e Mateus) registrou.
Atentemos agora para a sequência
de acontecimentos momentos antes da morte do Cristo, colocada pelo irmão
Waldehir Bezerra de Almeida em uma matéria especial da Revista Internacional de
Espiritismo de dezembro de 2009, bem como para a atuação de Publio Lentulus no
julgamento de Jesus:
1º) Jesus é preso, à noite, no Getsâmani e levado ao
sacerdote Anás, onde é interrogado sobre sua doutrina e seus seguidores;
esbofeteado e, em seguida, enviado ao sumo sacerdote Caifás, com as mãos
amarradas. (Jô 18:12-24)
2º) Ao clarear do dia, Caifás preside o primeiro julgamento
do Nazareno no tribunal judeu, o Sinédrio, e, com ajuda de falsos testemunhos,
acusa-o de pretender destruir o Templo de Deus, e o considera réu de morte...
E, então, novamente o Nazareno é esbofeteado cuspido. (Mt 26:59-66)
3º) No dia seguinte pela manhã os sacerdotes e escribas
conduzem-no a um novo julgamento no Sinédrio, onde lhe perguntam se ele é mesmo
o Filho de Deus e, diante da resposta positiva de Jesus, é amarrado e conduzido
ao governador Pôncio Pilatos acusado de conspiração contra o Império Romano.
(Lc 22:66-71; MT 27:2)
4º) Pilatos, diante das acusações feitas ao Nazareno,
entende que o Messias deve ser julgado segundo a lei do seu povo, mas os
emissários dizem não ter permissão para enviá-lo à morte. O governador romano
interroga o Salvador em particular e lhe pergunta se ele é rei, e Jesus diz que
seu reino não é deste mundo. Ouvindo dizer que ele era da Galiléia, Pilatos
entende que o réu deverá ser julgado por Herodes Antipas, governador da
Galiléia, que está em Jerusalém. (Jô 18:33-38)
1ª ATUAÇÃO DE PUBLIO LENTULUS
Antes dessa decisão,
Pilatos, que havia convocado um conselho formado por patrícios para lhe ajudar
na análise do caso, consulta o Senador Publio Lentulus e este afirma ter
conhecido o Nazareno em Cafarnaum, onde era muito querido e não levado à conta
de conspirador; homem justo e muito caridoso. Pilatos informa que o Homem está
em suas mãos para ser julgado, mas que não lhe vê culpa; que sua esposa,
Cláudia, sonhou que ele, governador de Jerusalém, não deveria, arriscar sua
responsabilidade no julgamento desse homem justo... Foi, então, que o esposo de
Lívia, considerando a presença de Herodes Antipas, governador da Galiléia em
Jerusalém, sugere a Pilatos que o réu seja a ele encaminhado, acreditando que,
Antipas julgando um compatrício, o destino do Mestre tomasse outro rumo.
Pilatos acata a sugestão e o Galileu é enviado a Herodes, mas este o devolve ao
seu destino de origem, na forma como está descrito a seguir:
5º) Herodes, ao ver o Mestre, alegra-se, porque estava
ansioso por vê-lo fazer algum prodígio. Faz-lhe muitas perguntas, mas Jesus a
nada lhe responde. Diante das acusações dos sacerdotes que ali estavam, Herodes
trata o acusado com ironia e desdém: veste-o com uma túnica branca, tal como os
príncipes, coloca entre suas mãos amarradas uma cana imunda, à guisa de cetro,
e na cabeça uma auréola de espinhos venenosos, imitando uma coroa, e manda-o de
volta a Pilatos. (Le 23:8-12)
6º) Entendendo o magistrado a intenção de Antipas e,
desorientado, convoca um conselho (o conselho já havia sido convocado, segundo
Emmanuel), composto de sacerdotes, patrícios e representantes do povo para
aconselhá-lo o que decidir. Enfim, chega à conclusão que o Senhor não merece a
morte; Pilatos condena-o aos açoites, para depois soltá-lo, crendo que o povo
ficaria satisfeito. (Lc 23:13-16)
2ª ATUAÇÃO DE PUBLIO LENTULUS
Mais uma vez o Senador
romano tenta evitar a condenação do Mestre: vai até Ele e pede que apele para a
autoridade suprema, e Jesus lhe responde ser necessária sua humilhação para que
se cumpram as Escrituras, e que prescinde de toda e qualquer proteção política
dos homens, confiando tão-somente na Justiça do seu Pai que está nos Céus!
Pilatos, diante da
turba revoltada, consulta o que fazer para evitar-lhe a morte nefanda, e um dos
patrícios propõe a pena dos açoites na praça pública. “Mas os açoites?! – diz
Publio Lentulus, admirado, antevendo as torturas do horrível suplício.”
Mas, de nada adianta a
sua observação. O Mestre é açoitado diante da multidão.
7º) Sendo costume
durante a Páscoa o representante de Roma libertar o prisioneiro que quisesse,
propõe Pilatos ao povo sedento de sangue: “A quem quereis que eu solte:
Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo? O povo ensandecido pede que solte o
perigoso bandido e condena o Mestre à ignomínia da cruz. (Mt 27:15-23)
3ª ATUAÇÃO DE PUBLIO LENTULUS
Antes do sumário
julgamento popular, o Senador aproximou-se do açoitado e fitou seu rosto
enérgico e meigo. Recordou-se de quando o viu às margens do Tiberíades, e agora
o via ali banhado de sangue... Seus olhos se encontraram e Publio Lentulus
afastou-se intimamente compungido. No palácio, dirigiu a Pilatos nestes termos:
“Não tendes, porventura, algum prisioneiro com processo consumado, que possa
substituir o profeta em tão horrorosas penas? E Barrabás foi lembrando.
Após a consumação do ato injusto, Publio Lentulus, enérgico,
se dirigiu ao Governador nesses termos:
“[...] Como homem, estou contra esse povo inconsciente e
infeliz e tudo faria por salvar o inocente; mas, como romano, acho que uma
província, como esta, não passa de uma unidade econômica do Império, não nos
competindo, a nós outros, o direito de interferência nos seus grandes problemas
morais e presumindo, desse modo, que a responsabilidade desta morte nefanda
deve caber agora, exclusivamente, a esta turba ignorante e desesperada, e aos
sacerdotes ambiciosos e egoístas que a dirigem.”
E conclui Emmanuel: “[...] mal imaginava aquele punhado de
criaturas que, na cruz grosseira e humilde do Gólgota, ia ascender-me uma
gloriosa luz para todos os séculos terrestres.”
Referências:
XAVIER,
Francisco Cândido. Há dois mil anos. Pelo
espírito Emmanuel. 43ª edição. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
Revista Internacional de Espiritismo, ano LXXXIV, dezembro de 2009.
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